segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Maria Helena de Castro disse tudo?

Quinta-feira, 14 de Fevereiro de 2008


O Ministro da Educação do Governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato, saiu rasgando elogios no seu blog à entrevista da secretária da Educação Maria Helena G. de Castro na VEJA. De fato, muito do que a secretária disse é correto, ao menos à primeira vista. Todavia, a adoção de frases de impacto não estaria propiciando o silêncio a respeito do que, uma vez revelado, poderia de fato dar o perfil da secretária?

Não há como concordar de Maria Helena quando ela diz que aumento salarial deveria ser por competência. Todavia, quando ela diz que dará bônus para as escolas que tiverem melhor desempenho e, então, quando anuncia os critérios para avaliar o desempenho, tenho lá minhas dúvidas que ela estará incentivando os melhores professores e funcionários. Ela se baseou em uma idéia utilizada em Nova York, e nisso, penso eu, está seu erro.

Ao olhar para a escola os americanos enxergam um todo homogêneo, e eles têm razão nisso, pois o comunitarismo americano faz cada escola realmente caminhar sem muitas discrepâncias em seu corpo docente. Não é o que ocorre no Brasil. Temos professores muito bons isolados em escolas que nunca conseguirão o bônus de Maria Helena. Sendo assim, a meritocracia dela vai gerar revolta, desânimo e, pior, vai afastar os melhores professores da carreira. Quem estiver em escolas de lugares deficientes, e for bom professor, vai repensar se vale a pena trabalhar naquele lugar. Temo que em poucos anos ela exclua de vez a maioria dos bons professores do ensino paulista. Ou os faça desesperadamente não "cair" em escolas sem chance de bônus.
Seria mais interessante, mais justo e realmente eficiente se ela premiasse diretamente o professor por exames periódicos individuais sobre sua própria competência e, é claro, pelas habilidades aprendidas pelos alunos em assuntos específicos, atinentes ao que aquele determinado professor ensinou ou deveria ter ensinado. Aliás, o professor aprovado em concurso, caso o concurso realmente seja levado a sério, já poderia ser beneficiado salarialmente. Bastava, daí em diante, colocar para ele outros concursos e outros desafios na carreira, para premiá-lo. Isso sim lhe daria incentivo.

Outra concordância que tenho como Maria Helena é quanto à sua vontade de fechar toda faculdade de pedagogia no Brasil. E eu também começaria pela Faculdade de Educação da USP e, em seguida, pela Unicamp. Mas temo que os motivos pelos quais ela diz isso não sejam alvissareiros. Eis o motivo que ela dá: "No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática."

Ora, parece que Maria Helena tem uma visão distorcida dos cursos de pedagogia. Ou, talvez, ela nunca tenha visto um de perto há anos. Caso esses cursos colocassem as alunas para realmente discutirem "os maiores pensadores da humanidade" nós teríamos um professor ruim? Não, não creio. Quando se estuda de verdade um grande pensador, que foi também um educador, é imediato captar dele o estilo de ensino e toda sua filosofia da educação, e mais ainda sua didática. Paulo Freire é bom exemplo aqui: quando adentramos no seu método de alfabetização e o fazemos em conjunto com suas aspirações transformistas agregamos não só saber filosófico, mas saber técnico para alfabetizar. O bom curso de pedagogia não é aquele que forma o didata analfabeto em filosofia da educação, mas o que forma o professor como o filósofo da educação que realmente sabe levar adiante os processos de ensino-aprendizagem.

Creio que Maria Helena, neste caso, quis entortar a vara para um lado e, agora, já está repetindo algo que é obscurantista. Tirar as garotas da pedagogia dos estudos dos clássicos (Rousseau, Herbart, Piaget etc.) para centrar a atenção delas na didática seria uma novidade no curso de pedagogia? Creio que não. A maioria das pessoas inteligentes que conheço nas faculdades de educação possui críticas a tais lugares exatamente no sentido oposto ao de Maria Helena: falta às alunas mais disciplinas em que elas possam se envolver de corpo e alma com os grandes pensadores. Maria Helena fez ciências sociais. Será que ela gostaria de ter aprendido mais estatística do que se desdobrado em todo o pensamento de Durkheim? Duvido. Mais do que ninguém ela deve saber que aprenderia estatística bem mais fácil se pudesse, antes de tudo, aprender Durkheim e seus métodos. Aprendendo corretamente Durkheim, a estatística vem no conjunto. O mesmo se dá em educação: aprendendo corretamente o pensamento global Dewey, sua forma de trabalho com crianças vem no conjunto.

Meu medo aqui, no caso, é que Maria Helena esteja tão dominada por esse tipo de visão do positivismo do século XIX (quando Durkheim, inicialmente, quis dar combate à pedagogia e, por tabela, à filosofia, por elas serem utópicas), que seja isso que a motivou a tomar a atitude de reduzir o número de horas de Humanidades no Ensino Médio paulista. Talvez Maria Helena esteja querendo extirpar a filosofia e a sociologia do Ensino Médio exatamente para poder realizar no que tem em mãos o que gostaria de realizar nas faculdades de educação, que não tem em mãos. Neste caso, a secretária está equivocada e precisará rever suas posições. É um engano pensar que as Humanidades estão voltadas para a transformação e que, ao assim agirem, retiram as alunas do curso de pedagogia da sua função de tomar conhecimento das inovações científicas que melhorariam o desempenho de seus futuros alunos. Incompatibilizar anseios utópicos e visão científica do real é algo que realmente Durkheim pensou ser necessário, mas ele desisistiu disso na prática - viu que estava errado.

Maria Helena apenas repete o que Durkheim, de modo razoável e não tresloucado, fez ao querer extirpar a pedagogia do campo de formação de professores, mantendo somente as chamadas "ciências da educação". Durkheim também não queria que os educadores perdessem tempo com a utopia que, segundo ele, vinha da pedagogia e que, no limite, era uma inoculação no campo educacional propiciada pela filosofia. Todavia, no decorrer de sua evolução, o próprio Durkheim começou a perceber que caso ele tirasse isso da teoria educacional, ele teria de substituir a filosofia por outro tipo de saber equivalente, e foi então que ele apelou para a sociologia da educação. Maria Helena parece ter ficado apenas com a parte menos sofisticada dessa idéia. Ela poderia avançar mais e perceber que sua crítica já se mostrou, no passado francês, sujeita à revisão. Não estou pedindo que abandone seu Durkheim de cabeceira, apenas estou solicitando que escolha as melhores partes de seu herói.

Agora, um ponto desconcertante no discurso de Maria Helena é o do endosso das frases soltas da extrema direita. Uma delas é sobre a condenação ao aumento salarial dos professores. Só a extrema direita (e a extrema esquerda, mas por outras razões) diz que o aumento salarial dos professores não melhora a educação. A direita não extremada não afirmaria isso. E os democratas, jamais. O princípio do liberalismo democrático, em sua associação com o regime de mercado, mostra bem que as melhores cabeças vão para os lugares mais bem remunerados. Só fascistas e comunistas tentaram dizer algo diferente disso. O princípio de mercado, neste caso, funciona perfeitamente na educação.

Aliás, diferentemente do que ela diz, os dados estatísticos do mundo todo implicam exatamente no contrário. Mesmo em sistemas educacionais pouco regrados, o aumento salarial dos professores se associa fácil à melhoria do desempenho dos alunos. Isso não é imediato, mas mediato - e douradouro depois. Não são só as estatísticas que dizem isso, é claro, também o bom senso. Não é um mito. É uma verdade. A idéia de que a remuneração alta atraia para a profissão, a curto prazo, as melhores cabeças da sociedade, é uma verdade que não precisa ser investigada mais. A médio prazo, isso melhora sim o desempenho dos estudantes. Fascistas e comunistas, que odeiam o mercado, é que encontram outras motivações para o trabalho. Sendo assim, essa idéia de que pagar melhor o professor não ajuda, soa como conversa de quem tem pouco apreço por idéias liberais.

Paulo Ghiraldelli Jr. , o filósofo da cidade de São Paulo

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