Publicar ou perecer
07/02/2008
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – A contabilização numérica de artigos publicados em revistas científicas legitima acadêmicos em seus campos de atuação. Mas em um cenário em que recursos de internet estão cada vez mais avançados, os papers podem ter se tornado uma mercadoria acadêmica que estaria seguindo a tendência do “darwinismo bibliográfico”, cujo lema é publicar ou perecer.
Essas são algumas conclusões do artigo Entre fetichismo e sobrevivência: O artigo científico é uma mercadoria acadêmica?, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os autores são Luis David Castiel, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, e Javier Sanz-Valero, da Universidade de Alicante, na Espanha.
O trabalho aponta que as novas tecnologias de informação e comunicação servem de base para a atual concepção de produtividade em pesquisa, que se baseia sobretudo na quantidade de artigos publicados em diferentes revistas, fazendo com que os papers sejam vistos como uma espécie de capital simbólico. O estudo se baseou em outros trabalhos sobre o assunto, de autores de diversos países.
“Trata-se de uma crítica ao primado da perspectiva empiricista que estabelece a produção de evidências quantitativas como única forma de visualizar, dar significado e valorizar o conhecimento científico”, disse Luis Castiel, pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Ensp, à Agência FAPESP.
Castiel ressalta que o estudo foi baseado na produção anterior em sociologia do conhecimento científico, que não se baseia em resultados empíricos ou lógicos. “A função de nosso trabalho não é questionar o método científico, mas promover o debate sobre a contribuição dos artigos publicados para o avanço do conhecimento.”
De acordo com Castiel, o que chama de “darwinismo bibliográfico”, caracteriza-se por uma luta pela sobrevivência na qual os acadêmicos mais aptos se destacam. Do mesmo modo, nas revistas científicas haveria uma “luta ferrenha” entre diferentes artigos para ocupar um mesmo espaço editorial.
“E, nesse jogo, vale até práticas como, antes de enviar um trabalho para uma determinada revista, preocupar-se em incluir referências bibliográficas da própria publicação para seduzir, de alguma forma, os editores e mostrar que o trabalho irá colaborar para melhorar o índice de impacto da revista. Ou seja, é um artigo cuja bibliografia tem outros artigos do próprio veículo”, disse o pesquisador.
Publicacionismo científico
Umas das conseqüências desse “publicacionismo”, segundo Castiel, seria o fato de a quantidade de artigos ditar, ou pelo menos influenciar, os rumos da produção científica. Tal influência teria forte relação com o “citacionismo”, ou a necessidade de produzir artigos que tenham vitalidade para estar em outras publicações.
A principal questão é que um trabalho muito citado não necessariamente representa avanço no conhecimento ou alta produtividade em pesquisa. “A ênfase citacionista, como avaliação de qualidade de uma obra acadêmica, pode se tornar um círculo vicioso que, de alguma maneira, participa da sustentação de modelos ideológicos que definem como devem ser os processos de busca e produção do conhecimento”, disse Castiel, que também integra o comitê editorial dos Cadernos de Saúde Pública.
Para ele, no fim das contas esse contexto pode acabar promovendo a manutenção de uma cultura tecnológica globalizada, que estimula “as precariedades do excesso de informações redundantes ou supérfluas”.
Um mesmo conteúdo que aparece em vários artigos, por exemplo, após receber pequenas mudanças, foi chamado pelos autores de “ciência-salame”: uma pesquisa é fatiada em unidades menores publicáveis para se tornar diversos artigos distribuídos em diferentes revistas.
Por conta disso, o artigo teria passado a ser não apenas um produto da prática científica, mas também um elemento produtor de relações sócio-históricas e políticas dentro das comunidades acadêmicas.
“Diante do excesso de publicação, os pesquisadores estão cada vez menos lendo os textos na íntegra. Hoje, é praticamente impossível ler todos os estudos publicados em uma única área de pesquisa. Estima-se, também, com base em estudos bibliométricos, que aproximadamente 50% dos trabalhos publicados em ciências sociais, por exemplo, nunca serão citados”, disse Castiel.
07/02/2008
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – A contabilização numérica de artigos publicados em revistas científicas legitima acadêmicos em seus campos de atuação. Mas em um cenário em que recursos de internet estão cada vez mais avançados, os papers podem ter se tornado uma mercadoria acadêmica que estaria seguindo a tendência do “darwinismo bibliográfico”, cujo lema é publicar ou perecer.
Essas são algumas conclusões do artigo Entre fetichismo e sobrevivência: O artigo científico é uma mercadoria acadêmica?, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os autores são Luis David Castiel, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, e Javier Sanz-Valero, da Universidade de Alicante, na Espanha.
O trabalho aponta que as novas tecnologias de informação e comunicação servem de base para a atual concepção de produtividade em pesquisa, que se baseia sobretudo na quantidade de artigos publicados em diferentes revistas, fazendo com que os papers sejam vistos como uma espécie de capital simbólico. O estudo se baseou em outros trabalhos sobre o assunto, de autores de diversos países.
“Trata-se de uma crítica ao primado da perspectiva empiricista que estabelece a produção de evidências quantitativas como única forma de visualizar, dar significado e valorizar o conhecimento científico”, disse Luis Castiel, pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Ensp, à Agência FAPESP.
Castiel ressalta que o estudo foi baseado na produção anterior em sociologia do conhecimento científico, que não se baseia em resultados empíricos ou lógicos. “A função de nosso trabalho não é questionar o método científico, mas promover o debate sobre a contribuição dos artigos publicados para o avanço do conhecimento.”
De acordo com Castiel, o que chama de “darwinismo bibliográfico”, caracteriza-se por uma luta pela sobrevivência na qual os acadêmicos mais aptos se destacam. Do mesmo modo, nas revistas científicas haveria uma “luta ferrenha” entre diferentes artigos para ocupar um mesmo espaço editorial.
“E, nesse jogo, vale até práticas como, antes de enviar um trabalho para uma determinada revista, preocupar-se em incluir referências bibliográficas da própria publicação para seduzir, de alguma forma, os editores e mostrar que o trabalho irá colaborar para melhorar o índice de impacto da revista. Ou seja, é um artigo cuja bibliografia tem outros artigos do próprio veículo”, disse o pesquisador.
Publicacionismo científico
Umas das conseqüências desse “publicacionismo”, segundo Castiel, seria o fato de a quantidade de artigos ditar, ou pelo menos influenciar, os rumos da produção científica. Tal influência teria forte relação com o “citacionismo”, ou a necessidade de produzir artigos que tenham vitalidade para estar em outras publicações.
A principal questão é que um trabalho muito citado não necessariamente representa avanço no conhecimento ou alta produtividade em pesquisa. “A ênfase citacionista, como avaliação de qualidade de uma obra acadêmica, pode se tornar um círculo vicioso que, de alguma maneira, participa da sustentação de modelos ideológicos que definem como devem ser os processos de busca e produção do conhecimento”, disse Castiel, que também integra o comitê editorial dos Cadernos de Saúde Pública.
Para ele, no fim das contas esse contexto pode acabar promovendo a manutenção de uma cultura tecnológica globalizada, que estimula “as precariedades do excesso de informações redundantes ou supérfluas”.
Um mesmo conteúdo que aparece em vários artigos, por exemplo, após receber pequenas mudanças, foi chamado pelos autores de “ciência-salame”: uma pesquisa é fatiada em unidades menores publicáveis para se tornar diversos artigos distribuídos em diferentes revistas.
Por conta disso, o artigo teria passado a ser não apenas um produto da prática científica, mas também um elemento produtor de relações sócio-históricas e políticas dentro das comunidades acadêmicas.
“Diante do excesso de publicação, os pesquisadores estão cada vez menos lendo os textos na íntegra. Hoje, é praticamente impossível ler todos os estudos publicados em uma única área de pesquisa. Estima-se, também, com base em estudos bibliométricos, que aproximadamente 50% dos trabalhos publicados em ciências sociais, por exemplo, nunca serão citados”, disse Castiel.
Para ler o artigo Entre fetichismo e sobrevivência: O artigo científico é uma mercadoria acadêmica?, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP
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