segunda-feira, 24 de março de 2008

Os 77 anos de Augusto Boal: nosso Nobel da Paz por Stela Fischer*

“No princípio, o teatro era o canto ditirâmbico: o povo livre cantando ao ar livre. O carnaval. A festa. Depois, as classes dominantes se apropriaram do teatro e construíram muros divisórios. Primeiro, dividiram o povo, separando os atores de espectadores: gente que faz e gente que observa. Terminou-se a festa! Segundo, entre os atores, separou os protagonistas das massas: começou o doutrinamento coercitivo!”. (Teatro do oprimido e outras poéticas políticas)


No domingo passado, dia 16 de março, Augusto Boal comemorou seus 77 anos de vida. O diretor e dramaturgo carioca é um dos nomes mais significativos do teatro brasileiro. Mas a sua contribuição se estende também a diversos países. Com o seu Teatro do Oprimido, técnica de criação teatral em que o espectador torna-se ator e, consequentemente, consciente de sua realidade e atuação social, Boal tornou-se reconhecido internacionalmente. São centenas de grupos fazendo do Teatro do Oprimido um movimento sócio-cultural mundial. Países como a França, Canadá, Estados Unidos, Moçambique, Palestina, Índia utilizam o método de criação teatral para compreender e transformar a sociedade disseminando a paz.
E por essa razão, Boal é um dos nomes indicados ao Prêmio Nobel da Paz de 2008. Mesmo antes da divulgação dos finalistas ao prêmio e sabendo das dificuldades em se ganhar o título, podemos aproveitar o ensejo do seu aniversário para lembrar que Boal é um grande representante da defesa dos direitos humanos utilizando o teatro como instrumento de luta do povo por melhores condições de existir. A premiação acontecerá em outubro.
A gênese do Teatro do Oprimido aconteceu ainda quando Boal era integrante do Teatro de Arena, um dos grupos mais importantes do panorama teatral nacional que, ao lado do Teatro Oficina, Grupo Opinião e o CPC da UNE renovaram a dramaturgia, a estética e a cena brasileira a partir da segunda metade do século 20. Todos esses grupos vertiam uma orientação de esquerda, combativa, reivindicando um teatro com princípios ideológicos nacionalistas. Esses grupos teatrais se não foram dizimados, tiveram sua expressividade esmaecida com a hostilidade destruidora da nossa ditadura militar.
E foi no exílio, de 1971 a 1986, que Boal desenvolveu com mais ferocidade a práxis e a teorização do Teatro do Oprimido. Inicialmente na Argentina, onde residiu cinco anos, e depois no Peru, México, Portugal, França, Boal colocou em prática o seu Teatro do Invisível, Teatro Jornal, Teatro Fórum, Teatro Imagem: técnicas em que se teatraliza um problema, dando voz expressiva e ensinando “as pessoas a fazer teatro para que elas mesmas divulgassem as idéias que queriam transmitir”, segundo Boal. “Fora do Brasil começaram a aparecer as formas novas a partir das novas realidades. O Teatro Invisível surgiu porque eu não queria ser preso e tinha que me esconder em cena. E com o Teatro Invisível isso é possível. O Teatro Imagem surgiu por conta de a gente ter que travar um diálogo com os indígenas que falavam espanhol e eu não conseguia me comunicar bem com eles, então aprimoramos a técnica de trabalhar o teatro a partir de imagens, mais do que palavras. Trabalhava com o Teatro Imagem no México, na Colômbia, na Venezuela, no Peru. E depois, quando toda a América Latina, ou quase toda, passou a ter governos ditatoriais, fui para Portugal e de lá comecei a trabalhar mais na Europa, Estados Unidos e Canadá. Então ia para os lugares por conta das ditaduras e disseminava o Teatro do Oprimido aqui e ali. Hoje a gente calcula que haja mais de 300 grupos no mundo inteiro, bem mais, muito mais. É assim, a ditadura fez um mal enorme ao Brasil, mas a gente também respondeu. A gente, digo, muita gente, tanto no Brasil como lá fora”, revela Boal em entrevista para a Revista Fórum.
No Teatro do Oprimido o espectador torna-se cidadão, atuando no lúdico teatral para depois se tornarem protagonistas de suas vidas Sob preceitos democráticos e humanísticos, o método é aplicado na educação, em programas de alfabetização, na saúde, em instituições psiquiátricas, presídios, em comunidades e movimentos sociais, como o MST. Segundo a Associação Internacional do Teatro do Oprimido (AITO), organização que coordena e promove o desenvolvimento da técnica em diversos países, o “objetivo básico do Teatro do Oprimido é o de Humanizar a Humanidade”.
Hoje Boal dirige o Centro do Teatro do Oprimido, com sede no Rio de Janeiro. O espaço oferece diversas atividades como oficinas, palestras, seminários de dramaturgia, produção e apresentação de espetáculos de grupos do Teatro do Oprimido. Segundo o site do CTO-Rio, a partir de 2005 a Casa do Teatro do Oprimido tornou-se um Ponto de Cultura do programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, ampliando a oferta de atividades gratuitas para a comunidade.
No último domingo comemorou-se os 77 anos de Augusto Boal e também o Dia Mundial do Teatro do Oprimido. Foram mais de 20 países mobilizados em rede para homenagear Boal. Coordenados por um grupo de Teatro do Oprimido do Canadá, foram propostas atividades artísticas dedicadas ao ativismo ambiental, como a conscientização do aquecimento global. No Rio de Janeiro, no Parque do Flamengo, foi o dia inteiro de programação cultural e manifestações artísticas de vários grupos e entidades vinculadas ao Teatro do Oprimido dedicando uma grande e merecida celebração a Boal. Outras cidades brasileiras também prestaram suas homenagens, como São Paulo, no Teatro Fábrica onde se realizaram oficina e debates sobre o método.
Ter seu nome indicado para o Nobel da Paz é um merecido reconhecimento de uma vida dedicada ao teatro e à cidadania. Um exemplo motivador na utilização do teatro para a construção de uma sociedade igualitária. Sua técnica do Teatro do Oprimido é um multiplicador da conscientização de que todos podem e devem transformar o seu entorno e que “todos os grupos teatrais verdadeiramente revolucionários devem transferir ao povo os meios de produção teatral, para que o próprio povo os utilize, à sua maneira e para os seus fins. O teatro é uma arma e é o povo quem deve manejá-la!”, encoraja-nos Augusto Boal.
Fontes:
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1975.
_____. Hamlet e o filho do padeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira – 2000
Revista Forum. Ediçao 59. fevereiro de 2008.
Sites: http://www.ctorio.org.br/ e http://www.theatreoftheoppressed.org/

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