sábado, 29 de março de 2008

Segue a "resposta" da Profa. Sonia Penin, diretora da Faculdade de Educação da USP, contra as declarações da Sra. Secretária de Educação de São Paulo

Os precários resultados, sistematicamente divulgados acerca do desempenho dos alunos da escola básica brasileira, evidenciam uma situação de tal gravidade que exige de todos os agentes e instâncias responsáveis pela educação um exame rigoroso de suas causas. Para esse exame, a análise radical e a crítica consistente são instrumentos indispensáveis para a busca de um diagnóstico preciso.
É, pois, com constrangimento e inquietação, que recebemos as declarações da Secretária de Estado da Educação de São Paulo, profa. Maria Helena Guimarães de Castro (Folha de S. Paulo, 25/02/08), propondo, de forma simplista, o fechamento de todos os cursos de formação de professores/ pedagogia, especificando os das Faculdades de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e da Universidade de Campinas (Unicamp). Afirmar medida tão radical com tão poucos elementos produz um desserviço só comparável com uma política de terra arrasada, incompreensível e inadmissível no atual momento brasileiro.
Imputar aos cursos de formação inicial as dificuldades que os professores hoje enfrentam no ensino dos alunos das escolas de educação básica é de uma ligeireza inaceitável por quem deveria, minimamente, considerar o cenário socioeconômico e cultural brasileiro/paulista , as mudanças ocorridas na contemporaneidade, assim como as especificidades presentes em organizações complexas como são os nossos sistemas de ensino.
É preciso lembrar que os governos (federal, estaduais e municipais), apesar de respeitáveis esforços localizados, não têm possibilitado a transformação radical que a realidade demanda, o que é claramente identificado pela baixa proporção da educação no Produto Interno Bruto (PIB).
Em segundo lugar, e a despeito do não-crescimento da educação no PIB, ocorreu, nesses últimos anos, um movimento positivo de aumento do acesso e tempo de permanência de grande parte das crianças na escola. Esse fenômeno trouxe como conseqüência uma mudança benfazeja no perfil médio do aluno da escola pública, incorporando praticamente todo o leque de diferenciação da população brasileira. Tal diferenciação, todavia, apresentou-se para uma grande parte dos professores como uma dificuldade a mais no ensino.
Terceiro, e paralelamente à mudança no perfil médio do alunado, as mudanças da contemporaneidade trouxeram novas demandas para o ensino, uma vez que não é trivial articular em cada escola as transformações globais com aquelas que se traduzem em âmbitos singulares. Essas mudanças, de ordem socioeconômica e cultural, são suficientes para indicar que, na profissionalizaçã o docente, como em qualquer outra, o diploma não é suficiente para assegurar a adequada inserção de um profissional no trabalho. Mais propriamente, fala-se em trajetória de formação, articulando- se a formação inicial e a continuada. O próprio modelo de formação continuada precisa ser repensado, pois o geralmente adotado, sob responsabilidade inclusive da Secretaria da Educação, não tem tomado a escola real e os problemas concretos do ensino como referências centrais.
Não considerando essas questões, assusta a forma como uma secretária de Estado desagrega espaços, instituições e pessoas e se coloca numa posição bélica contra todos os cursos de pedagogia. O que é mais constrangedor, a secretária se refere especificamente a duas Universidades brasileiras reconhecidas entre as melhores em nível internacional.
No caso da Faculdade de Educação da USP, a contribuição que tem prestado à educação paulista pode ser comprovada pelo volume e pela qualidade da pesquisa que realiza, pelas produções qualificadas (783 no último triênio), em grande parte publicadas em periódicos internacionais, e pela qualidade dos profissionais que forma, reconhecidamente competentes, críticos, muitos deles assumindo posições de liderança em diferentes instituições.
Supor que um curso de formação profissional em nível superior, como sugere a secretária, deva tratar das reais demandas das escolas sem um embasamento teoricamente rigoroso é temerário e fatal para o enfrentamento competente da problemática educacional brasileira atual e futura. O trabalho numa realidade complexa está condenado ao fracasso ou à mediocridade se não se apoiar numa análise teórica e historicamente consistente. Teoria e prática, articuladas, definem uma boa profissionalizaçã o, seja na formação inicial, seja na continuada. A prática no curso de pedagogia é principalmente viabilizada pelos estágios, que, na FEUSP, correspondem a 20% do currículo.
Tendo como missão formar pedagogos e professores competentes, críticos e socialmente responsáveis visando a melhoria da escolarização das nossas crianças e jovens, os profissionais desta Faculdade de Educação se propõem à interlocução sistemática e crítica com os diferentes atores que conduzem a educação brasileira.
Sonia Penin é professora titular e diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP

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