Os precários resultados, sistematicamente divulgados acerca do desempenho dos alunos da escola básica brasileira, evidenciam uma situação de tal gravidade que exige de todos os agentes e instâncias responsáveis pela educação um exame rigoroso de suas causas. Para esse exame, a análise radical e a crítica consistente são instrumentos indispensáveis para a busca de um diagnóstico preciso.
É, pois, com constrangimento e inquietação, que recebemos as declarações da Secretária de Estado da Educação de São Paulo, profa. Maria Helena Guimarães de Castro (Folha de S. Paulo, 25/02/08), propondo, de forma simplista, o fechamento de todos os cursos de formação de professores/ pedagogia, especificando os das Faculdades de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e da Universidade de Campinas (Unicamp). Afirmar medida tão radical com tão poucos elementos produz um desserviço só comparável com uma política de terra arrasada, incompreensível e inadmissível no atual momento brasileiro.
Imputar aos cursos de formação inicial as dificuldades que os professores hoje enfrentam no ensino dos alunos das escolas de educação básica é de uma ligeireza inaceitável por quem deveria, minimamente, considerar o cenário socioeconômico e cultural brasileiro/paulista , as mudanças ocorridas na contemporaneidade, assim como as especificidades presentes em organizações complexas como são os nossos sistemas de ensino.
É preciso lembrar que os governos (federal, estaduais e municipais), apesar de respeitáveis esforços localizados, não têm possibilitado a transformação radical que a realidade demanda, o que é claramente identificado pela baixa proporção da educação no Produto Interno Bruto (PIB).
Em segundo lugar, e a despeito do não-crescimento da educação no PIB, ocorreu, nesses últimos anos, um movimento positivo de aumento do acesso e tempo de permanência de grande parte das crianças na escola. Esse fenômeno trouxe como conseqüência uma mudança benfazeja no perfil médio do aluno da escola pública, incorporando praticamente todo o leque de diferenciação da população brasileira. Tal diferenciação, todavia, apresentou-se para uma grande parte dos professores como uma dificuldade a mais no ensino.
Terceiro, e paralelamente à mudança no perfil médio do alunado, as mudanças da contemporaneidade trouxeram novas demandas para o ensino, uma vez que não é trivial articular em cada escola as transformações globais com aquelas que se traduzem em âmbitos singulares. Essas mudanças, de ordem socioeconômica e cultural, são suficientes para indicar que, na profissionalizaçã o docente, como em qualquer outra, o diploma não é suficiente para assegurar a adequada inserção de um profissional no trabalho. Mais propriamente, fala-se em trajetória de formação, articulando- se a formação inicial e a continuada. O próprio modelo de formação continuada precisa ser repensado, pois o geralmente adotado, sob responsabilidade inclusive da Secretaria da Educação, não tem tomado a escola real e os problemas concretos do ensino como referências centrais.
Não considerando essas questões, assusta a forma como uma secretária de Estado desagrega espaços, instituições e pessoas e se coloca numa posição bélica contra todos os cursos de pedagogia. O que é mais constrangedor, a secretária se refere especificamente a duas Universidades brasileiras reconhecidas entre as melhores em nível internacional.
No caso da Faculdade de Educação da USP, a contribuição que tem prestado à educação paulista pode ser comprovada pelo volume e pela qualidade da pesquisa que realiza, pelas produções qualificadas (783 no último triênio), em grande parte publicadas em periódicos internacionais, e pela qualidade dos profissionais que forma, reconhecidamente competentes, críticos, muitos deles assumindo posições de liderança em diferentes instituições.
Supor que um curso de formação profissional em nível superior, como sugere a secretária, deva tratar das reais demandas das escolas sem um embasamento teoricamente rigoroso é temerário e fatal para o enfrentamento competente da problemática educacional brasileira atual e futura. O trabalho numa realidade complexa está condenado ao fracasso ou à mediocridade se não se apoiar numa análise teórica e historicamente consistente. Teoria e prática, articuladas, definem uma boa profissionalizaçã o, seja na formação inicial, seja na continuada. A prática no curso de pedagogia é principalmente viabilizada pelos estágios, que, na FEUSP, correspondem a 20% do currículo.
Tendo como missão formar pedagogos e professores competentes, críticos e socialmente responsáveis visando a melhoria da escolarização das nossas crianças e jovens, os profissionais desta Faculdade de Educação se propõem à interlocução sistemática e crítica com os diferentes atores que conduzem a educação brasileira.
Sonia Penin é professora titular e diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP
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