Obama discursa pela 1ª vez sobre raça e admite país dividido
Democrata se distancia de falas incendiárias de pastor de sua igreja, mas diz que rejeitá-lo seria rejeitar comunidade negra
Pastor já disse que negros deveriam amaldiçoar EUA; analistas se dividem quanto a risco de comentários para a campanha do senador
DA REDAÇÃO da Folha
Pela primeira vez abordando abertamente a questão racial, o democrata Barack Obama voltou a se distanciar dos comentários feitos pelo seu ex-pastor, Jeremiah Wright, mas se recusou a rejeitar o autor das falas incendiárias sobre preconceito. "Não posso rejeitá-lo, assim como não posso rejeitar a comunidade negra", afirmou o pré-candidato presidencial em discurso no museu National Constitution Center, na Filadélfia.
O senador ainda tentou se colocar como "ponte" que uniria as divisões do país, mas disse que a questão "não pode ser ignorada". "Nunca fui tão ingênuo a ponto de acreditar que podemos superar nossas divisões raciais em uma eleição."
"Eu sabia que ele [Wright] era um duro crítico das políticas doméstica e internacional da América? Claro. Eu já o ouvi fazer comentários controversos? Sim. Eu discordo veementemente de muitas de suas opiniões políticas? Com certeza."
E continuou: "Na comunidade branca, o caminho para uma união mais perfeita significa reconhecer que os problemas da comunidade negra não existem apenas na cabeça dos negros; que o legado da discriminação existe e precisa ser corrigido."
Para o especialista em política e raça da Universidade de Minnesota Guy-Uriel Charles, o discurso enterrou de vez a noção de que Obama -filho de pai africano negro e mãe americana branca- era o candidato de uma era "pós-racial". "Não se pode mais argumentar que raça não será um tema de campanha", afirmou à Folha. "Na verdade, a questão sempre esteve presente, o que pode ser visto pela forma com que Obama evitou o assunto até agora."
O ex-pastor Wright, que se aposentou do púlpito da Igreja Unida da Trindade de Cristo no último mês, trouxe Obama para o cristianismo, celebrou seu casamento e batizou suas duas filhas. Também afirmou, em sermões que foram parar no site de vídeos YouTube, que os negros deveriam cantar "Deus amaldiçoe [em vez de abençoe] a América", que Hillary Clinton "nunca foi chamada de negona" e que os EUA foram responsáveis pelo 11 de Setembro.
"São comentários que realmente têm grande impacto", avalia Charles, ex-editor do "Michigan Journal of Race and Law", sobre questões raciais do direito. "Para ganhar, Obama precisa de bons resultados entre eleitores brancos. Se muitos deles o virem como alguém que corrobora ideologias raciais, vão abandonar o barco."
A campanha de Obama está preocupada com possíveis repercussões do episódio na Pensilvânia, que terá prévias em 22 de abril -Hillary Clinton se mantém na frente em pesquisas. Desde o final da última semana, quando os comentários de Wright ganharam espaço, Obama caiu na média de pesquisas do site "Real Clear Politics", a ponto de começar a perder para o republicano John McCain na simulação nacional.
Impacto
Nem todos vêem, porém, um dano permanente. "Pesquisas a essa altura não significam nada", disse à Folha Clyde Wilcox, professor de política americana da Universidade Georgetown. "O impacto será de curto prazo. Mas tudo depende das reações daqui em diante."
São essas reações que deixam Charles mais cauteloso. "Obama decidiu vir a público logo abordar o tema, mas isso pode fazer com que a polêmica dure mais tempo", disse.
O especialista afirma ainda que o candidato tem de ser cuidadoso para evitar irritar o eleitorado negro. Nesse sentido, "ele agiu certo ao não rejeitar Wright". "O episódio não vai abalar a base negra, muito forte por trás de Obama."
Ao focar em raça, o pré-candidato teve uma vantagem adicional: a de evitar os comentários sobre política externa. "Obama foi sábio", diz Charles. "A fala sobre o 11 de Setembro realmente pode prejudicá-lo. Quando você concorre a presidente dos EUA, seu patriotismo não pode nunca ser questionado." (ANDREA MURTA)
Com agências internacionais
NA INTERNET
Leia a íntegra do discurso de Obama em
www.folha.com.br/080782
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