quinta-feira, 20 de março de 2008

Um computador para cada diabinho

PCs invadiram e dominaram a Terra. Não? Só não vão dominar por que os laptops assumirão seus lugares disso. E principalmente na escola. Ou teremos um movimento contra?
Na verdade, o movimento contra já começou. Há pesquisas nos Estados Unidos com dados alarmantes sobre a queda de rendimento e de aprendizagem de crianças que passaram a ter a posse de laptops individualizados em sala de aula. Essas pesquisas, segundo as universidades que as realizaram, apontam para o fato de que os alunos pioraram ou ficaram na mesma situação a partir do uso do laptop, e isso quase que independentemente do nível sócio econômico das turmas ou de suas diferenças étnicas.
Também no Brasil a reação já começou. Pesquisadores da Unicamp afirmam ter feito investigações na mesma linha, obtendo resultados desanimadores. Pelo que consegui da pesquisa da Unicamp, as explicações são um pouco vagas, e a metodologia desconsidera dados importantes. Quanto à pesquisa dos americanos, as mais importantes eu li, e creio que posso dizer sem medo que elas também tropeçam em pontos significativos.
É importante considerarmos as variáveis que realmente interessam e olhar essas pesquisas com carinho, pois o governo brasileiro atual quer levar adiante o programa "um computador para cada aluno". Todavia, no caso brasileiro, as objeções que aparecem não são só de ordem pedagógica, mas econômica. Há cálculos nada tolos que mostram que o projeto brasileiro, com as metas de custos que vislumbra, é completamente irreal – não se efetivaria e, se vier a se efetivar, apenas acumularia um conjunto de laptops destinados ao lixo. Computadores com Internet, nós sabemos bem, possuem uma manutenção dispendiosa em vários sentidos. Bem, mas a questão aqui, no caso de nosso governo, é decidir se quer ou não sair do mundo do marketing político e fazer algo ou se quer apenas dizer que fez algo.
Todavia, meu interesse é pedagógico. Do ponto de vista técnico-pedagógico, qual a maior falha das pesquisas que estão aparecendo nas revistas especializadas? O problema todo é que as várias pesquisas apresentadas tomam o laptop como meio didático neutro. O que esperam dele é que ele entre na sala de aula, caia nas mãos de cada diabinho (ou anjinho, se quiserem) diante de um professor e, então, passem a ajudar no ensino que, enfim, deverá ser o mesmo de sempre. Mas a tecnologia da educação nunca foi neutra. A apostila não é neutra, e por isso ela difere do livro. O laptop não é neutro, e por isso ele difere da apostila, do livro e do quadro negro. Não é pelas suas características físicas que ele difere, é claro; como qualquer outro novo meio da tecnologia educacional ele reformula o conteúdo (sim!), ele torna prioritário outros conteúdos e, enfim, ele gera uma transformação no ensino em um sentido muito mais amplo e profundo que o imaginado pelos incautos. Ele próprio é um conteúdo!
Um exemplo deixa tudo claro. Quando você aprende um conteúdo por meio de uma apostila, que é um resumo dirigido, os chavões e macetes aparecem primeiro e, não raro, acabam sendo a única arma que lhe é dada. Em vez da longa dedução ou de todo o raciocínio que aparece no livro, a apostila lhe dá os resultados e lhe ensina a utilizá-los em casos que exigem presteza e velocidade. Isso é bom? Ora, para o aprendizado, não. Ela é própria para os cursos de treinamento, onde há o suposto de que o aprendizado já ocorreu ou, ao menos, já se iniciou de forma satisfatória, e que o treinamento deverá apenas melhorar a performance do treinado diante de baterias específicas de exames. Portando, o que é cobrado de alguém que melhora sua performance por meio de apostila não é comparável, termo a termo, com o que é cobrado de alguém que aprende com o livro. Aprender é uma coisa, ser treinado é outra coisa.
O menino que tem a Internet à disposição em sala de aula já deve ter passado por um processo de disciplina que não o deixa se dispersar para além do normal. Além disso, é necessário criar mecanismos que possam fazê-lo lidar melhor com o fato de que a Internet, ela própria, é um grande autor. Ela própria cruza informações, nos seus vários mecanismos de busca, e gera uma informação que é mutatis mutandis um elemento desconstruído. Os significados de um texto ou imagem, comumente esperados que sejam os possivelmente apreendidos pelo aluno, podem não ser os que ele vai expor para o professor após ter passado pela Internet; ele simplesmente pode reproduzir significados que à primeira vista vão nos parecer loucura, tonteira ou simplesmente falta de aprendizado.
As pesquisas não têm considerado que se introduzimos a Internet na escola, colocando-a para cada aluno, as crianças não irão aprender o que queremos que aprendam (ou que queríamos), mas não vão deixar de aprender; eles vão aprender outras coisas, aquelas que o laptop e a Internet "querem". Assim, para sabermos se houve progresso nessa aprendizagem, temos de ver – sem moralismo e falta de inteligência – o que é que esses meios estão colocando como objetivos. E então, temos de mudar nossas avaliações escolares. Só depois disso poderemos decidir se o que queríamos que eles aprendessem é ou não mais válido e melhor do que o que de fato aprenderam. E, além disso, temos nós mesmos de sermos bons freqüentadores da Internet para não gerarmos preconceitos na nossa visão do que são as máquinas e o que são os nossos conteúdos realmente importantes para a vida futura, não para a vida que tivemos, pois essa já acabou.
A idéia já ficou velha, mas ela continua válida: o meio é a mensagem/massagem. Lauro de Oliveira Lima repetiu esse dito à exaustão. Mas os pesquisadores brasileiros, às vezes jovens, não sabem quem é Lauro de Oliveira Lima. E no exterior, Marshall McLuhan se tornou um desconhecido de alguns importantes professores universitários. Então, as pesquisas sobre o ensino com computador e Internet, não conseguem ver o poder real do meio no âmbito dos processos comunicativos e pedagógicos.
Por fim, outro dado problemático, é que no Brasil os textos dos que são a favor do programa do governo "um computador por aluno", em parte também consideram o meio como algo neutro. Terminam por gerar a idéia da restrição no uso dos computadores. Aliás, é isso que as faculdades fazem: criam "bloqueios" ridículos de certas áreas da Internet. Nesse caso, a falta de entendimento do que é a Internet gera o anti-ensino por excelência, que é a censura.
Paulo Ghiraldelli Jr "O filósofo da cidade de São Paulo

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