sábado, 14 de maio de 2011

Carta de uma aluna bolsista prejudicada com a confusão feita pela CAPES e pelo CNPQ, no caso das bolsas.


Ao CNPq:
Venho, através desta, solicitar que sejam feitos maiores esclarecimentos a respeito da “Nota sobre o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício”, divulgada recentemente, que à primeira vista me pareceu uma resolução para evitar o acúmulo de bolsa de mestrado ou doutorado e salário por professores e servidores das universidades públicas (federais e estaduais), de faculdades privadas; e das escolas que formam a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.
Parece que os documentos do Cnpq e da Capes são ambíguos quanto aos critérios para acúmulo de bolsa e vínculo empregatício no caso do emprego de professor (especialmente no caso do ensino básico), pois na Portaria de 15 julho de 2010, no artigo 1º há clara alusão ao trabalho de professor: "$ 2º Os referidos bolsistas poderão exercer atividade remunerada, especialmente quando se tratar de docência como professores nos ensinos de qualquer grau".
Já na "Nota sobre o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício", há a explicitação de que o vínculo só poderá existir se for posterior à bolsa e resultante da mesma. Embora a mesma nota cite a "educação básica" como uma das "áreas estratégicas nas quais é academicamente desejável a maior aproximação do pós-graduando com o mercado". Certamente, na Faculdade de Letras, a maior parte dos acúmulos se deve ao trabalho docente na educação básica. Portanto, é necessário esclarecer este ponto junto à agência de fomento, pois os que se encontram nesta situação deverão, se necessário, poder optar entre uma ou outra função, evitando-se o corte sumário das bolsas.
Com base no Artigo 2º da Portaria: "Para receber complementação financeira ou atuar como docente o bolsista deve obter autorização, concedida por seu orientador, devidamente informada à coordenação do curso ou programa de pós-graduação em que estiver matriculado e registrado no Cadastro Discente da CAPES". De acordo com este artigo, a atividade docente não está incluída na categoria "complementação financeira", são duas coisas distintas, portanto. E, para que a atividade docente seja exercida em concomitância com a bolsa, é necessário apenas que haja a devida autorização (do orientador) e registro no cadastro discente da Capes. Não há nenhuma referência à impossibilidade de que esta autorização seja feita no momento em que o aluno é contemplado com a bolsa. O e-mail da diretora substituta de programas de bolsas no país, Zena Martins, às coordenadorias de pós-graduação não estabelece diferenciação entre as atividades, trata toda e qualquer atividade exercida com vínculo como se fosse "complementação financeira".
Ainda que seja cabível considerar que o salário de professor de ensino público insere a atividade docente na categoria "complementação financeira", uma vez que é muito menor que o valor das bolsas de mestrado e doutorado. Ressalto ainda que normalmente a atividade docente possui carga horária de até 16 horas semanais, o que está muito longe de uma jornada integral que possa interferir no desempenho do aluno de pós-graduação.
É necessário esclarecer todas as dúvidas a respeito de uma suposta "interpretação errônea" das instituições de ensino superior da "Portaria conjunta nº 1 de 15 de julho de 2010". A meu ver, não há interpretação errônea alguma na concessão de bolsas de pós-graduação para professores, pois de acordo com a entrevista de esclarecimento do presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães[1], a respeito da Portaria nº1 de 2010, inserir profissionais da educação básica na pós-graduação seria um dos objetivos desta Portaria (as citações foram tiradas da referida entrevista): "Nós queremos induzir, por exemplo, a presença de pessoas da educação básica na pós-graduação para melhorar sua qualificação, sua titulação." Na entrevista, o presidente da Capes afirma que já possuir vínculo empregatício não seria critério para a concessão ou não de bolsas, observem a pergunta de número 10:
"O fato de a pessoa possuir vínculo pode ser utilizado no critério de seleção para bolsas?"
Resposta: "Não. Não pode e nem deve. A seleção é por mérito. O que vale na seleção é o mérito do candidato."
Ou seja, não houve uma interpretação errônea: os candidatos às bolsas de pós-graduação poderiam ter vínculo antes da concessão das mesmas. Ou melhor, se houve interpretação errônea foi a do presidente da Capes, que para esclarecer a Portaria nº1 de 2010, afirmou que os futuros bolsistas poderiam ter vínculo anterior à concessão das mesmas. O presidente da Capes afirma ainda que:
Todos os bolsistas poderão ter vínculos empregatícios desde que atendidas as exigências que estão na portaria, ou seja, autorização do orientador, além de atender ao item que trata de assinalar essa condição no Cadastro de Discente e que, naturalmente, não afete o desempenho do aluno e seja uma área compatível com a sua formação.

É preciso que a situação seja muito bem esclarecida, pois o corte de bolsas poderá causar ainda mais transtornos se as bolsas concedidas desde 15 de julho de 2010 forem consideradas irregulares, pois, de acordo com esta "Portaria", o bolsista poderá ser obrigado a devolver os valores que recebeu a título de bolsa (e se tornar um devedor da União): "Art. 3º No caso de comprovado desrespeito às condições estabelecidas na presente portaria, o bolsista será obrigado a devolver a CAPES ou CNPq os valores recebidos a título de bolsa, corrigidos conforme a legislação vigente." E será impossível para um professor da rede pública de ensino ter que trabalhar para ressarcir uma bolsa recebida por mérito e direito, uma vez que os valores referentes às bolsas são bem maiores que os valores referentes aos seus salários. Ressalto ainda que manter a bolsa de quem passou a possuir o mesmo tipo de vínculo empregatício após a vigência da bolsa é uma decisão arbitrária e fere o princípio de isonomia e os direitos dos atuais bolsistas, que receberam bolsas unicamente por mérito acadêmico.
Gostaria ainda que fosse esclarecido se o vínculo empregatício não poderia ser antes da vigência da bolsa ou da solicitação da mesma, pois é notório o fato de que, na maior parte das vezes (ao menos na área de Letras Vernáculas da UFRJ), os bolsistas esperam a bolsa por períodos que variam de 6 a 18 meses. Pois se o aluno começou a trabalhar em área relacionada após o início do curso de pós-graduação e está mantendo o desempenho acadêmico, a única diferença para com os critérios (duvidosos) presentes na “nota de esclarecimento” é a demora da concessão das bolsas, o que, muitas vezes, obriga o pós-graduando a buscar uma fonte de renda com o principal objetivo de se manter no curso de Mestrado ou Doutorado. Observe-se ainda que o texto da “nota sobre o acúmulo de bolsa e vínculo empregatício” faz referência à relevância do vínculo empregatício quando consequência da sua pesquisa, no entanto há de ser observado que o início da pesquisa, na maior parte das vezes, é anterior à concessão das bolsas, portanto o dado cronológico não deve ser o único a ser levado em consideração neste caso. Afinal, se o candidato à bolsa precisar exercer atividade remunerada correlacionada com o tema da sua pesquisa e inicia esta atividade após o início do curso de pós-graduação, mas antes da concessão da bolsa, não faz sentido que seja punido com base no critério referente ao vínculo empregatício anterior à concessão da mesma.

A Portaria tem o propósito claro de permitir aos bolsistas da CAPES ou do CNPq a opção de acumular a bolsa de pós-graduação, níveis mestrado e doutorado, com um vínculo empregatício remunerado, desde que venha a atuar profissionalmente na sua área de formação e cujo trabalho seja correlacionado com o tema da sua dissertação/tese e, portanto, quando tal vínculo empregatício seja resultante de sua condição de bolsista e como consequência do tipo de projeto que esteja desenvolvendo.
Por exemplo: se minha pesquisa exige, de alguma forma, minha atuação em sala de aula e em consequência disso eu comecei a trabalhar numa instituição básica de ensino – que é, friso, “uma das áreas estratégicas nas quais é academicamente desejável a maior aproximação do pós-graduando com o mercado” – após a solicitação da bolsa, mas antes da vigência da mesma, devo perder, automaticamente, o direito de obter essa bolsa? Gostaria de obter uma resposta específica a esta indagação.
Observe-se que de acordo com notícia publicada no Diário de Pernambuco[2], a resolução que contradiz a entrevista do presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães, foi emitida pela diretora substituta de programas e bolsas no país, Zena Martins, no dia 02 de maio do corrente ano, ou seja, aparentemente a interpretação dada por ela a respeito da nota de esclarecimento à referida Portaria é a única que dá ênfase total ao fato do bolsista possuir vínculo anterior à concessão da bolsa. Note-se que segundo esta notícia, trabalhadores da rede púbica de ensino básico podem acumular a bolsa:

Quem pode acumular a bolsa: Aqueles que estão afastados integralmente do trabalho, sem receber vencimento por isso, os bolsistas que começaram a trabalhar em área relacionada ao tema de seu estudo e ostrabalhadores da rede pública de ensino básico ou da área de saúde coletiva (estes, desde que liberados integralmente da atividade profissional).
Quem não pode acumular a bolsa: Funcionários da instituição de ensino onde cursa a pós-graduação, professores de nível superior, tanto de instituições públicas, quanto privadas (estes têm programas de bolsas específicos) e quem já se encontra trabalhando, formal ou informalmente, antes de se candidatar à bolsa.
Faz-se necessário buscar esclarecimento a respeito deste ponto específico junto às agências de fomento: É possível que o bolsista tenha vínculo com instituições de educação básica de ensino público?
Peço ainda que, tão logo sejam feitos os devidos esclarecimentos, caso a necessidade de não ter nenhum vínculo empregatício antes da vigência da bolsa seja realmente o único critério válido para a concessão da mesma, que os bolsistas possam ser comunicados a respeito e que possam decidir entre a manutenção da bolsa (com eventuais pedidos de licenças sem vencimentos ou rompimento de vínculos e contratos empregatícios) ou do vínculo.

Atenciosamente,
Rhea Sílvia Willmer

Doutoranda em Literatura Portuguesa (desde março de 2010), aprovada em 3º lugar com média 9; professora da RedePública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro (desde maio de 2010), aprovada em concurso público na 36ª colocação, trabalhando em área recentemente contemplada com UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), com carga horária de 16 horas semanais; e bolsista do CNPq (desde março de 2011), unicamente por mérito acadêmico, tendo obtido nota máxima em todas as disciplinas do curso de Doutorado, tendo participado de três Congressos e Seminários desde o início do doutoramento e com artigos publicados e em vias de publicação em revistas acadêmicas das áreas de Literaturas Portuguesa, Brasileira e Africanas.

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