segunda-feira, 13 de julho de 2009

Galvão Bueno e o escândalo do lattes


Banco de dados indica que locutor Galvão Bueno é médico com doutorado em física. Última reunião da comissão que avalia problemas com o sistema analisou dez denúncias, aplicou três expurgos e uma suspensão.
Está no currículo Lattes: Galvão Bueno, o locutor esportivo da Globo, tem graduação em medicina pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mestrado em engenharia eletrônica pelo MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts) e doutorado em física pelo Caltech (Instituto Tecnológico da Califórnia). Trata-se, evidentemente, de uma falsificação, ao que tudo indica produzida para ilustrar a vulnerabilidade da Plataforma Lattes a fraudes.

A peça fictícia está sendo usada numa polêmica que mobiliza pesquisadores de diversas áreas. No caso, é argumento em favor de controles rígidos sobre a mais importante base de dados a respeito de cientistas e instituições de pesquisa do país, mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O debate é relevante porque o currículo Lattes é um dos elementos que mais pesa na hora de decidir a destinação de verbas públicas para laboratórios, bolsas, viagens etc.
O currículo falso de Galvão Bueno - que também informa que o apresentador é fluente em croata, chinês e guarani - já foi retirado da base de dados do CNPq, mas ainda pode ser encontrado em imagens "cache" de sites como o Google.
Os defensores de maior rigor na plataforma, entre os quais o físico Paulo Murilo Castro de Oliveira, 60, da Universidade Federal Fluminense (UFF), dizem que o CNPq deveria verificar a fidedignidade das informações postadas. Segundo ele, "são cada vez mais frequentes as notícias sobre fraudes. O fato é que oportunistas existem em todas as áreas, inclusive entre cientistas, naturalmente".
A revista "Piauí" publicou reportagem mostrando que até o currículo Lattes da ministra Dilma Rousseff foi "turbinado".
Para o pesquisador da UFF, "é preciso fazer algum tipo de verificação. As informações que estão na Plataforma Lattes devem ser checadas pelo CNPq e, se não houver o trabalho que o sujeito diz que publicou, ou o curso que ele diz que fez, o usuário deve ser questionado".
Quando surgiu, há dez anos, a Plataforma Lattes tinha apenas o objetivo de servir como fonte de informação "inter pares". Mais recentemente, contudo, a base cresceu e ganhou novas funções: orientandos se valem da plataforma para selecionar seus orientadores, e vice-versa; alunos usam-na para saber quem é que lhes dará aulas; empresas, para selecionar consultores; jornalistas, para eleger suas fontes.
"Até existe um caso de um administrador que usou o Lattes para achar um profissional em São Paulo com a especialização médica que a mulher dele necessitava", disse Geraldo Sorte, coordenador-geral de informática do CNPq.
A ala mais liberal, que inclui pesquisadores como o bioquímico Rogério Meneghini e o físico Ronald Cintra Shellard, admite que a fragilidade da base dá margem a injustiças, mas não acha que seja o caso de criar uma "polícia do Lattes".
O nível de problemas hoje detectado não justificaria o custo de fazê-lo. De resto, como ressalta Meneghini, que se especializou em métodos de avaliação da produção científica, cabe à banca de um concurso conferir a autenticidade dos dados constantes dos currículos apresentados pelos candidatos, não acreditar piamente no que está escrito.
Sem polícia
"Quem tem de coibir eventuais fraudes no Lattes é a instituição envolvida no caso", concorda Shellard. "A chancela de qualidade de um pesquisador vem da instituição a que ele está ou esteve vinculado. Pode até haver quem ache engraçado um currículo falso do Galvão Bueno. Mas, se não houver o aval de uma instituição científica, aquilo não vale nada", diz.
Geraldo Sorte, do CNPq, diz que "existem fraudes em tudo quanto é lugar, mas é uma pena que haja quem queira jogar fora todo esse trabalho porque alguém foi inescrupuloso".
Segundo ele, na última reunião da comissão responsável pela plataforma, em maio, foram avaliadas dez denúncias de fraudes em currículos, que resultaram em três expurgos e uma suspensão. Os demais casos serão apreciados na próxima reunião, que deve ocorrer em agosto. A Plataforma Lattes, com 1,1 milhão de currículos, recebe em média 10.052 atualizações diárias.
Para entidade, melhor controle é "olho vigilante de cientistas"
Para o coordenador-geral de informática do CNPq, Geraldo Sorte, a solidez das informações contidas na Plataforma Lattes é perseguida desde o surgimento da base, em 1999. Para isso, várias ferramentas de software foram aprimoradas, como as que se usam em sites de bancos, com o cruzamento de informações de diversas fontes. Mas, para ele, o mais importante ainda é "olho vigilante dos outros cientistas".
"Todo pesquisador tem seu currículo Lattes, base para os pedidos de financiamento de pesquisa. Essas solicitações são avaliadas pelos comitês das agências de fomento, formados por outros cientistas. O resultado é que todo mundo está de olho. Basta alguém perceber alguma informação falsa e fazer a denúncia à Comissão Lattes que se abre um processo", diz.
Segundo Sorte, os procedimentos investigatórios são "muito sérios" e podem acarretar desde um pedido de correção da informação até a retirada do currículo da plataforma.
Às vezes, é só questão de bolar softwares antifraudes. Para o sujeito que "inventa" artigos científicos, o CNPq, na hora do preenchimento do currículo, solicita o DOI (Digital Object Identifier), uma espécie de carteira de identidade digital do artigo. A pessoa informa esse DOI e o currículo automaticamente recupera seus dados. "Nem todos os artigos têm DOI, mas nós começamos a agregar elementos no software que tornam os dados mais confiáveis", diz Sorte.
Há ainda ferramentas de autovalidação. "Se você disser que foi orientado por determinada pessoa, e essa pessoa confirmar, no currículo dela, que o orientou, a plataforma cruza esses dados e verifica se há consistência. Em caso afirmativo, ela gera um selinho de confiança, que é colocado ao lado da linha validada", diz Sorte.
Hélio Schwartsman e Laura Capriglione - JC Julho de 2009.

3 comentários:

Prof. Dr. Manuel Pina disse...

É, meu amigo...
Pobre do país no qual precisamos desconfiar de tudo e de todos, é sinal que algo vai mal, muito mal. Os falsários estão em todos os cantos e campos. Os aproveitadores estão de olhos permanentemente abertos em busca da próxima vítima que está configurada e localizada no seio de milhões de pessoas incautas e não reflexivas pela alienção que lhe impõe o regime em que vivemos. Somos vítimas dos tempos em que a abundância escaceia para muitos e que a carência é nula para poucos.

Ditos populares como: "O mundo é dos espertos", "em terra de cego quem tem um olho é rei", "salve-se quem puder" e outros do tipo, são apenas um retrato do sistema que somos obrigados a enfrentar no nosso dia-a-dia.

Eu me surpreendo a cada dia com a ineficácia do poder do povo. Dou apenas um exemplo: Numa loja "A" um produto está à venda por R$100,00 "em 10 vezes sem juros". Se você chegar e disser eu pago à vista e em dinheiro vivo... sai por quanto? Em 99% das vezes recebe-se a resposta: o mesmo valor, pois esse é preço de "à vista" com uma "facilidade" de pagamento que a loja lhe oferece. E o povão acaba pagando porque é regra que todos os comerciantes façam a mesma política de preços.

Eu, você, nós merecemos!!! Quanta bondade! É de pessoas "boas, assim", feitas esses comerciantes, que o Brasil precisa!!!! Mas...

"Bem, amigos, estamos aqui..." para falar da Plataforma Lattes e não de comerciantes.

Recebi recentemente a seguinte informação quando analisava um projeto de pesquisa: "Professor, esse candidato apresentou currículo pelo qual ele é responsável". Quando questionei: "E quem controla o que ele colocou no currículo"? "A justiça", foi a resposta que obtive.

E assim caminha a humanidade!

Linha Educação e Formação Docente disse...

Pois é meu amigo até que demorou para acontecer isso no Lattes. Mas tem um outro problema neste sistema o fato de enganadores mandarem emails para os pesquisadores oferecendo emprego em São Paulo e quando lá chegam são assaltados. Eu recebi um destes.

Prof. Dr. Manuel Pina disse...

Taí, mais uma que eu ainda não conhecia!!
É bom saber e divulgar!
Abraço.